O ambiente escolar, bem como em toda a sociedade brasileira, encontra-se repleto de uma realidade em que as diferenças étnico-culturais não são respeitas, ao contrário, são incentivadas, difundindo preconceitos e práticas racistas por todo o país, mostrando um racismo velado. Nesse sentido, os livros didáticos brasileiros de ensino de língua materna são exemplos evidentes dessa situação, em que são encontradas leituras de textos e exercícios que constroem uma inaptidão à criticidade do aluno, levando-o à passividade para ser apenas e tão somente um mero eleitor que vota segundo as autoridades (atrocidades) ideológicas impostas pela “elite” dominante. Dentre um dos representantes desta elite está o professor de língua materna e seu “escudo impenetrável”: o livro didático. Este é justamente o alvo a ser atingido aqui, a partir da análise de como está sendo construída a representação do negro nas escolas brasileiras, principalmente entre os alunos de 5ª a 8ª séries, no livro didático brasileiro de língua materna.
É comum observar-se que algumas categorias são marginalizadas pela sociedade como um todo, em função dos esquemas mentais de conhecimento que a própria sociedade constrói. Pensando especificamente numa dessas parcelas, tem-se a mídia como uma grande divulgadora de informações ao público em geral. Assim, muito do que se constrói como esquema de conhecimento prévio às leituras advém da mídia. É um fato! Dessa forma, muitas das categorias que aparecem em textos do livro didático são efetivamente marginalizadas pelos próprios autores do material, que levam à construção de um sentido unilateral e imposto, tido como certo socialmente. Como ainda não temos uma sociedade escolar (entenda-se o corpo docente, o corpo discente e a família) com massa crítica o suficiente para questionar tais visões, a marginalidade impera constantemente nos materiais didáticos (livros e apostilas), o que leva à construção de uma sociedade que está aumentando o número de leituras, porém, sem qualidade, sem a criticidade necessária para alterar esse estado.
Como exemplo dessa questão, o livro didático Português: leitura e expressão (Márcia Leite e Cristina Bassi, 7ª série, São Paulo, Editora Atual), muito adotado em várias escolas de Maringá-PR e nas regiões Norte e Noroeste do estado, em uma de suas unidades, apresenta a letra da música O meu guri, de Chico Buarque. Destaca-se que a posição das autoras é muito pertinente ao expor um texto social para o trabalho com alunos adolescentes, demonstrando a necessidade de se alterar os paradigmas tradicionais de exposição dos clássicos das literaturas brasileira e portuguesa.
Na análise das ilustrações e atividades que se encontram complementares ao texto de Chico Buarque, evidencia-se a representação do negro, que autoras e ilustrador apresentam como certas. No livro, o texto da letra da música apresenta-se à esquerda, com a ilustração de um menino sem camisas, descalço, correndo no escuro, com uma tarja nos olhos, um bolsa amarela na mão, cabelos despenteados e muito enrolados, demonstrando explicitamente o desenho de um menino negro.

O meu guri
Chico Buarque
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
e eu não tinha nem nome para lhe dar
Como fui levando não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
e na sua meninice ele um dia me disse
que chegava lá, olha aí!
Olha aí, ai o meu guri, olha aí,
Olha aí, é o meu guri e ele chega.
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente para me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço,
Que haja pescoço para enfiar!
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí!
Olha aí...
Chega no morro com o carregamento,
pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador.
Rezo até ele chegar cá no alto
essa onda de assalto tá um horror!
Eu consolo ele, ele me consola,
Boto no colo pra ele me ninar,
de repente acordo, olho pro lado
e o danado já foi trabalhar, olha aí!
Olha aí...
Chega estampado, manchete, retrato,
com venda nos olhos, legenda e as iniciais.
Eu não entendo essa gente, seu moço,
fazendo alvoroço demais.
O guri no mato, acho que tá rindo,
acho que tá lindo de papo pro ar.
Desde o começo eu não disse, seu moço?
Ele disse que chegava lá, olha aí
Olha aí...
É notório que outras leituras podem ser levantadas para o texto, não apresentando aí uma representação marginal do negro. Contudo, a ilustração e as atividades que o acompanham levam à construção de um sentido único. Como exemplo, duas atividades são apresentadas com suas respectivas respostas, que convalidam a leitura, retiradas do exemplar do professor:
- Em que circunstâncias se deu o nascimento do guri?
Resposta: Numa época inadequada; a mãe devia ser solteira, pobre, etc.
- Que tipo de atividade o menino encontrou para sustentar a família?
Resposta: A de assaltante.
Fonte: Espaço acadêmico
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